domingo, 11 de junho de 2017

Mia Couto fala sobre vitalidade e amor no envelhecimento

Foto: Mia Couto / Crédito: Bel Pedrosa.

Publicado originalmente no site G1, em 11 de junho de 2017.

Mia Couto fala sobre vitalidade e amor no envelhecimento.

Por Mariza Tavares.

Mia Couto: “O envelhecimento é uma desistência do desejo de ser um outro”.

 A conferência magna do Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, que será realizado de quarta a sábado em Porto Alegre, será dada pelo premiado escritor moçambicano Mia Couto, traduzido em mais de 20 países. O autor, que também é biólogo, vai discorrer sobre como os avanços da ciência podem levar a uma nova dimensão do entendimento do ser humano. Mia, que completará 62 anos mês que vem, deu esta entrevista ao blog por e-mail, na qual falou sobre o envelhecimento e disse que manter a vitalidade depende da capacidade de fazer amigos e de amar e ser amado.

O senhor trafega em dois mundos: há o Mia Couto biólogo, que usa a lente da ciência para enxergar a vida, e o Mia Couto escritor, que traduz a vida em literatura. Como essas duas dimensões se fundem e encaram o envelhecimento?
Mia Couto: A vida só em parte pode ser enxergada. E o que se torna visível em lente são apenas os mecanismos, os sinais que traduzem atividade. Mas os seres vivos são organismos e não podem ser reduzidos a mecanismos. Existe uma fronteira entre o que a ciência empreende para definir e para descrever e aquilo que fica para além disso, que reside como mistério, como desafio de descoberta. Para mim não existe conflito, a biologia que eu quero é aquela que procura a história, que busca as histórias e as linguagens e as interrelações entre as pessoas e as criaturas que, mais do que organismos vivos, são a própria vida. O envelhecimento, nesta perspectiva, é apenas um cansaço de existir. Possui um desgaste físico, traduz uma duração das peças que nos compõem. Mas é bem mais que isso, é uma desistência do desejo de ser um outro e de viajar para outras histórias, outras identidades.

A geração baby boomer, à qual o senhor pertence, reinventou o conceito de adolescência e juventude, incensando e prolongando a passagem para a vida adulta e a maturidade. Agora, esta é geração que vive o bônus da longevidade. O senhor acredita que os baby boomers acabarão também reinventando a velhice?
Mia Couto: É a primeira vez que alguém me chama uma coisa assim. Não sabia, confesso, que existia essa categoria. Mas é claro que ela se aplica a uma geração localizada e não sei se o lugar de onde venho (que é da África de Leste) se pode subordinar a essa classificação. Mas entendo a pergunta, ou pelo menos acredito que posso dizer algo. Quando eu era jovem uma pessoa de 50 anos era velha. E era realmente, na sua postura, no seu olhar. Eu tenho 60 e apenas em certos momentos percebo que me pesa a idade. Essa reinvenção da velhice está a suceder e não é tanto pelos cosméticos, pela profusão altamente rentável de produtos antienvelhecimento. É por uma atitude interior, uma vitalidade que se alcança pela capacidade de fazer amigos, de amar e ser amado e de ser dono do sentido de tempo.

De que forma o senhor acredita que a neurociência vai ajudar a repensar o ser humano, tema da conferência magna que dará na abertura do Congresso do Cérebro?
Mia Couto: Na verdade, nenhuma ciência pode fazer isso sozinha. Conhecer o cérebro humano e os processos cognitivos e comportamentais pode ajudar imenso a decifrar zonas que até hoje permanecem obscuras. Mas eu gostaria de pensar que a própria neurociência se deve pensar criticamente e aceitar os limites da sua intervenção. É fácil crer que os neurocientistas, porque tocam nos segredos dos segredos, conhecem mais do que ninguém o ser humano. Mas isso não é tão simples. O que nos faz ser humanos não são apenas essências físicas, químicas ou complexos circuitos neuronais. É algo que se localiza nas relações intangíveis, nas trocas que não podem ser traduzidas em números. Há uma dose de mistério que não irá nunca ser completamente conhecida. E isso não é mau. Precisamos de saber mais, mas faz da nossa natureza fascínio pelo desconhecido.

Texto e imagem reproduzidos do site: g1.globo.com/bemestar

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